O Clube dos Anestesiados o primeiro encontro


O Clube dos Anestesiados

Por Alex Sandro Alves - O Escritor Dislexo


Cena: Uma sala simples, cadeiras em círculo, café morno sobre a mesa. Um cartaz improvisado na parede: “Aqui não julgamos. Aqui confessamos.”

Moderador (Clara):  
— Boa noite a todos. Sejam bem-vindos ao Clube dos Anestesiados. Aqui não há hierarquia, não há cura prometida. Só há espaço para falar e ouvir. Quem gostaria de começar?

Cleonice (fofocas)
— Boa noite a gente. Sou Cleo, mas sou mais conhecida com Tia Robertinha. Meu vício incontrolável é me meter na vida dos outros, adoro falar da vida das pessoas, trocar figurinhas e ver o circo pegar fogo!  Aliás recebi uma notícia fresquinha que na próxima reunião vai vir uma solteironha bem fanática em religião...

João (álcool):  
— Bem, meu nome é João e eu bebo para esquecer que a vida é um grande vazio. O copo me dá coragem, mas também me rouba os dias. Estou aqui porque cansei de conversar só com garrafas.

Marina (redes sociais):  
— Eu sou Marina. Meu vício é a tela. Likes, notificações, reels infinitos. Eu anestesio minha solidão com corações digitais. Mas quando desligo o celular, o silêncio grita mais alto.

Carlos (compras):  
— Eu sou Carlos. Compro coisas que não preciso. Sapatos, relógios, gadgets. Cada compra é uma anestesia rápida, um alívio que dura até a fatura chegar. Depois, a ressaca é financeira e existencial.

Luciana (sexo):  
— Eu sou Luciana. Uso o corpo como fuga. Cada encontro é uma tentativa de sentir algo, mas no fim só sobra vazio. O prazer é curto, a culpa é longa.

Rafael (mentiras):  
— Eu sou Rafael. Minto compulsivamente. Invento histórias para parecer interessante, para esconder minha mediocridade. A mentira é minha anestesia, mas também meu cárcere. Às vezes não sei mais quem sou.

Clara (moderadora):  
— Obrigada por compartilharem. Este é o espaço onde a anestesia se revela. Não para ser condenada, mas para ser entendida. Alguém mais?

Sofia (sonhadora utópica):  
— Eu sou Sofia. Meu vício é sonhar. Imagino mundos perfeitos, revoluções, amores eternos. Vivo mais no que poderia ser do que no que é. Minha anestesia é a utopia, mas ela me impede de tocar o chão.

Pedro (drogas ilícitas):  
— Eu sou Pedro. Minha anestesia é química. Pó, fumaça, pílulas. Cada dose é uma fuga da realidade sem sentido. Mas quando passa, a realidade volta mais pesada. Estou cansado de correr.

Clara:  
— Percebem? Somos diferentes nas substâncias, mas iguais na necessidade de esquecer. O Clube dos Anestesiados não promete salvação. Promete apenas companhia na travessia. Aqui, cada anestesia é um grito de que a vida moderna nos dói.

João:  
— Então não estamos aqui para parar?

Clara:  
— Estamos aqui para lembrar que não estamos sozinhos. Talvez parar seja consequência. Talvez não. O que importa é que, por uma hora, anestesiamos juntos a solidão.

Marina:  
— Estranho… mas conforta. É como se nossas dores se reconhecessem.

Rafael:  
— É como se nossas mentiras, compras, doses e sonhos fossem só diferentes formas de dizer: “A vida sem amor, sem fé e sem propósito é insuportável.”

Tia Robertinha:
— Gostei muito de vir nesta reunião, estou eufórica para saber mais, digo, compartilhar nossos problemas para nos ajudar. 

Clara:  
— E é por isso que existe o Clube dos Anestesiados. Para que, mesmo sem respostas, possamos ao menos compartilhar perguntas.

✨ Fim da primeira sessão.  
O relógio marca 21h. Cada um sai da sala carregando seu vício, mas também um pedaço da dor do outro. E, por algum motivo, isso já é um alívio.

Continua...

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