O Sonho Sombrio de Elisa e Ruan - "Dia dos Namorados Macabro"

Naquele 11 de junho, coincidentemente na noite que antecedia os Dia dos Namorados: Elisa e Ruan discutiram e foram dormir irritados um com o outro sem tentar compreender os motivos do outro e inredutíveis, sem dar ou pedir desculpas. Imaturidade e falta de reciprocidade era o menor dos problemas do casal.

Naquela noite, desde que se juntaram, o clima estava tão pesado entre ambos, que figurativamente poderia se cortar o ar com uma simples faca cega de passar marganina no pão matinal.Ali sentia-se literalmente aqueles momentos que todos os seres humanos que passam por uma vida de romance um dia vai ter que passar: o silêncio dos enamorados...

Um em seu devido quarto, em suas casas a poucas quadras uma da outra, embora em alguns momentos um ou outro passavam a noite juntos na casa de um ou de outro, ecoava em ambos um grito sufocado, e os corações que antes batiam em sintonia agora pulsavam em ritmos diferentes e descompassados. 

Quando o sono finalmente os envolveu, algo estranho aconteceu—um sonho compartilhado onde ninguém sabe onde fica ou existe, Elisa e Ruan estavam no mesmo tempo e espaço participando juntos como no enredo de um filme.

Eles despertaram neste mundo dos sonhos tal qual são na terceira dimensão onde os seres humanos encarnados vivem. Mas algo era diferente, este mundo paralelo, era uma dimensão sombria onde o Dia dos Namorados era celebrado de maneira aterrorizante ou no mímimo diferente. 

O ar cheirava a rosas murchas e velas derretidas. Criaturas fantasmagóricas vagavam pelas ruas, murmurando segredos esquecidos de amantes que um dia tiveram seus destinos entrelaçados e tragicamente interrompidos. 

Cruzando uma esquina deram de frente com uma Noiva Fantasma que estava prometida a um homem rico, mas amava um simples e pobre entalhador de madeira, e ela faleceu tragicamente num acidente de carroça em Curitiba em 1868 e nunca conseguiu fugir com seu amor e se transformou em uma alma errante que assombra, dizem até hoje, a Rua XV de Novembro, com choros e murmúrios procurando seu amado.

Em outro canto, numa rua sem fim viram como se assistissem a uma teatro ao vivo, a histrória do fim de namoro de João e Maria passado não muito distante no interior do estado do Paraná no século XX.

Ambos viram cenas fantasmas do passado de corações partidos, separações que levaram homens a miséria e alcolismo e de mulheres que foram levada ao suicídio ou ao assassinato pelos seus maridos...

 Assistiram pessoas com amores não correspondidos que para fugir da amargura se refugiarem em seminários e conventos. Assim como histórias de fugas de casais para viverem seu amor longe de suas famílias que proibiam seus romances.

Assistiram em flashbacks, assassinatos e muitos outros crimes em nome do amor ocorridos desde que o tempo é tempo e homens e mulheres são dados ou se dão em casamento. Um ciclo sem fim de histórias de vidas e romances interompidos por terceiros e pelos próprios amantes devidos a sentimentes como orgulho e preconceito...

Subitamente, Elisa viu sua maior fobia materializar-se diante dela: um espelho antigo refletia não somente sua aparência atual, mas sua alma. Ali, seus medos e desejos mais profundos estavam expostos. Ela sempre temeu a solidão—não por estar sozinha, mas por nunca ser verdadeiramente compreendida por quem amava. No reflexo, via-se chorando, seus olhos vazios procurando por um Ruan que nunca a compreendia completamente.

Ruan, por sua vez, foi confrontado por uma visão de suas próprias sombras: um corredor infinito repleto de portas trancadas. Cada uma guardava um segredo seu que nunca teve coragem de contar a Elisa. O maior deles? 

O medo de não ser suficiente para ela, seja emocionalmente ou socialmente de ser o padrão literário ou cinematografico, quase impossível de atingir:  ser no mesmo tempo bonito,compreensivo, divertido,forte, másculo, inteligente  e rico. Ele viu-se batendo desesperado nas portas, ouvindo sua própria voz ecoando suas inseguranças, até que, em um sussurro, percebeu o que realmente desejava—ter certeza de que o amor de Elisa era verdadeiro, de que sua presença valia a pena mesmo ele não tendo as inúmeras qualidades desejadas pelas mulheres, na qual para ele eram impossíveis de oferecer .

Os espíritos ao redor riram, satisfeitos por terem revelado a verdade oculta nos corações dos enamorados. Mas algo surpreendente aconteceu: apesar dos medos expostos, Elisa e Ruan correram um em de encontro ao outro. Não precisaram de palavras, apenas do toque quente de suas mãos entrelaçadas, provando que, mesmo com todas as sombras, medos e limitações, ainda se escolhiam e se aceitavam.  

E, no instante onde iriam se beixar, acordaram. O mundo estranho sumiu, os quartos sumiram, e acordaram abraçados na poltrona 6 e 7 de ônibus em uma viagem com destino a Foz de Iguaçu

Mas algo havia mudado ao despertarem do pesadelo comunitário. Olharam-se fixamente nos olhos com uma nova compreensão—sabiam, agora, que o amor real não era apenas sobre o que mostravam um ao outro, ou seguir as expectativas impostas pelos outros, mas sobre aceitar os segredos escondidos nas profundezas de suas almas e mesmo assim, continuarem vivendo um romance sem fim e acreditar que o amor é real e necessário para a vida humana, e não é bom que fiquemos só.

#FIM#

Alex Sandro Alves



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