O Raio-X do Rebanho



🧠 O Raio-X do Rebanho

Era uma terça-feira qualquer — dessas em que o sol parece cumprir expediente e os pássaros cantam como se estivessem em escala. João, 19 anos, acordou com a estranha sensação de que o mundo havia se revelado. Não por milagre, nem por iluminação divina. Foi um estalo. Um clique. Um curto-circuito entre a aula de sociologia e o tédio do grupo da família no WhatsApp.

Ele percebeu, com olhos de raio-X, que tudo ao seu redor era uma coreografia ensaiada: o bom dia automático do porteiro, o café com leite morno servido pela mãe, o uniforme da escola que dizia mais sobre ele do que qualquer tatuagem rebelde. Era como se o mundo fosse um teatro e ele, um figurante que finalmente leu o roteiro.

João começou a enxergar os códigos invisíveis: o “bom comportamento” premiado com likes, o “pensamento crítico” domesticado pelas provas do ENEM, o “futuro promissor” que vinha com boleto e burnout. Cada gesto, cada escolha, cada silêncio — tudo parecia programado por um sistema que sorria enquanto apertava os grilhões.

Mas aqui começa o paradoxo.

Mesmo com essa visão de raio-X, João continuava indo à escola. Continuava dizendo “sim, senhor” ao professor, “obrigado” ao caixa do mercado, “desculpa” quando esbarrava em alguém. Ele sabia que o jogo era viciado, mas ainda precisava jogar. Afinal, quem é que sobrevive fora do tabuleiro?

À noite, deitado na cama, ele escrevia em seu caderno:  
> “Sou lúcido demais para ser rebelde, e rebelde demais para ser dócil. Vivo entre o grito e o aceno, entre o ‘não concordo’ e o ‘presente, professor’.”

João não queria virar mártir, nem guru de Instagram. Queria apenas entender como se vive sabendo que tudo é condicionado. Como se respira quando se enxerga a grade invisível. Como se ama, se sonha, se ri — mesmo sabendo que o riso também pode ser uma resposta programada.

E assim ele seguia: um jovem com olhos de raio-X e coração de carne. Um representante do rebanho que sabia que era rebanho, mas que ainda encontrava beleza nas flores do caminho, mesmo que plantadas por mãos que ele não escolheu.

FIM 

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