"Quando o Corpo Fala, e a Alma Escuta"



"Quando o Corpo Fala, e a Alma Escuta"

Lucas 6:37: "Não julgueis, e não sereis julgados; não condeneis, e não sereis condenados; perdoai, e sereis perdoados.". 

Um banco de madeira sob a sombra de uma árvore, ao fundo uma igreja matriz de uma cidadezinha do interior. Ataliba, filósofo sem graduação universitária mas formado na faculdade da vida, de fala mansa e olhar profundo, se aproxima ao ver Gorete sentada, pensativa, com os olhos fixos no chão.

Ataliba:  
— Boa tarde, dona Gorete. Posso me sentar?

Gorete:  
— Claro, seu Ataliba... o banco é de todos, assim como os fardos.

Ataliba:  
— Algo parece pesar mais que o normal hoje...

Gorete:  
— O senhor é observador. Descobri ontem que estou com câncer. E, sinceramente, ainda não entendi o que Deus quer de mim.

Ataliba:  
— Às vezes, nem Deus nos dá respostas — só silêncios para que a gente ouça o que está escondido dentro de nós.

Gorete:  
— Mas sempre fui fiel... missas, novenas, caridade, fui catequista. Achei que... sei lá... eu teria uma espécie de blindagem.

Ataliba:  
— A fé não é escudo contra o sofrimento. Talvez seja o chão onde a gente pisa quando ele chega.

Gorete:  
— Mas por que comigo? Logo eu, que fiz tanto pelos outros?

Ataliba:  
— Talvez porque chegou a hora de fazer por si mesma. Quantos perdões a senhora deixou de conceder?

Gorete:  
— Ela ficou em silêncio apenas pensou (...Muitos... e alguns eu nem sabia que ainda me feriam. Até hoje me pego ressentida com meu pai, minha mãe, meu esposo, que nunca me reconheceram... e com meu irmãos, que me traíram. Sem falar dos filhos que não corresponderam as minhas expectativas e sonhos...).

Ataliba:  
— O corpo às vezes adoece porque a alma não encontra espaço para respirar. O câncer pode ser cruel, mas também pode ser um mensageiro.

Gorete:  
— Mensageiro?

Ataliba:  
— Sim. De que há mágoas guardadas, palavras não ditas, abraços negados. De que é hora de se perdoar também.

Gorete:  
— E se eu não conseguir? E se for tarde?

Ataliba:  
— Nunca é tarde para abrir uma porta interna. O perdão não é para o outro — é para você. É a chave que destranca a cela onde você mesma se trancou.

(Gorete respira fundo, e seus olhos se enchem de lágrimas. Mas não são de dor, são de alívio.)

Gorete:  
— Sabe, seu Ataliba... talvez esse banco aqui seja o confessionário que eu precisava. Obrigada.

Ataliba:  
— Não me agradeça. A senhora se ouviu. E isso, sim, é um milagre.

Ao se despedir, Ataliba entregou a Gorete uma cópia de um poema, que sempre tinha várias cópias nos bolsos de seu paletó:

🌾 Perdão é Quando Solta 🌾

Perdão não é beijo no rosto,  
Nem abraço forçado em festa de fim de ano.  
É silêncio que não grita mais por justiça,  
É o coração que cansa de carregar o engano.

Não exige altar nem devoção,  
Não espera desculpas, nem redenção.  
É o momento em que a alma se olha no espelho  
e diz: “Já chega. Eu escolho a leveza, não a prisão.”

Não se trata do outro, do que ele fez ou não.  
É libertar-se da corrente que você mesmo segurou.  
O rancor cava poços dentro da gente —  
mas o perdão planta flores onde o ódio brotou.

É coragem de viver sem essa dor companheira.  
É vestir a roupa nova da paz verdadeira.  
E mesmo que o outro nunca saiba,  
você saberá:  
Respirar dói menos agora.

Autor - O Filósofo forjado pela vida: Ataliba 

FIM

Comentários