Por um colunista fictício do jornal “O Observador Contemporâneo”
📍 Editorial
Vivemos tempos em que o absurdo deixou de ser exceção e passou a ser tendência. A década que se encerra não será lembrada por grandes avanços científicos ou por uma revolução ética — mas sim por uma glorificação da excentricidade, da impulsividade e da quebra deliberada de qualquer senso comum. A loucura, enfim, virou moda.
🎭 O cotidiano como espetáculo
Nos últimos anos, o cotidiano foi transformado em palco. Não mais se trata de viver, mas de performar. Veja o exemplo das redes sociais: é preciso filmar o café da manhã, dramatizar o trânsito, encenar o treino na academia. A espontaneidade foi substituída por roteiros improvisados, onde cada gesto precisa de validação pública.
O que antes era considerado estranho — como sair de pijama para o supermercado ou gravar vídeos chorando no carro — agora é celebrado como “autenticidade”. A fronteira entre o íntimo e o exibido foi demolida com aplausos.
🛒 Consumo delirante
A moda seguiu o mesmo caminho. Crocs com salto, roupas que parecem saídas de um manicômio futurista, acessórios que desafiam qualquer lógica estética. O consumidor não quer mais se vestir bem — quer se vestir de forma que provoque reações. O feio virou conceito. O bizarro, tendência.
E não para por aí: há quem compre água “energizada por cristais”, tênis com pregos, ou pague fortunas por “experiências sensoriais” que consistem em ficar em silêncio numa sala branca. O mercado entendeu: quanto mais insano, mais vendável.
📱 A lógica invertida
A década também consagrou o paradoxo como norma. Influenciadores fitness que promovem fast food. Celebridades que fazem campanhas de saúde mental enquanto expõem seus surtos em tempo real. Políticos que se comunicam por memes. A coerência virou artigo de luxo.
Até o humor se transformou: rir de si mesmo deu lugar ao riso nervoso diante do caos. O meme do “gato digitando freneticamente” representa mais o cidadão médio do que qualquer estatística.
🧠 A romantização do colapso
Talvez o aspecto mais preocupante seja a romantização da instabilidade emocional. Frases como “sou ansioso mesmo e daí?” ou “minha toxicidade é charmosa” circulam como slogans. A saúde mental virou estética, não prática. O sofrimento virou conteúdo.
📌 Conclusão
Não se trata de condenar a criatividade ou a liberdade de expressão. Mas é preciso reconhecer que, nesta década, a loucura deixou de ser marginal para se tornar mainstream. E quando tudo é permitido, o que ainda tem valor?
Talvez o próximo ciclo nos traga uma moda mais silenciosa: a da lucidez.
FIM
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