A despedida dos namorados- por Alex Sandro Alves

 

O ar gelado de maio de 1974 no interior no estado do Paraná, mordia a pele de João enquanto ele subia a pequena ladeira de terra batida. A luz fraca da lamparina na varanda da casa de Maria lançava sombras dançantes que pareciam zombar dele. O coração, pesado como uma pedra, tentava adiar o inevitável, mas as palavras já estavam ensaiadas, frias e afiadas como a foice de um ceifador.


“Maria… eu não sei como te dizer isso”, começou João, a voz embargada, mas decidida. “Eu sinceramente acho que… não está dando mais certo para a gente.”


Os olhos de Maria, que outrora eram antes brilhantes e cheios de expectativa, arregalaram-se. Uma ruga de incompreensão vincou sua testa. “Como assim, João? O que você está falando?”


“A gente é diferente, Maria. As nossas rotas de caminhada rumo ao futuro… estão a cada dia se afastando”, João tentou explicar, evitando olhar Maria nos olhos. A verdade era que a cidade grande o chamava, e a vida no campo, com seus ritmos lentos e futuros previsíveis, já não o atraía. Maria era parte desse passado que ele ansiava deixar para trás.


Ela deu um passo à frente, suas mãos estavam freneticamente tremendo. “Você está me deixando? Depois de tudo que passamos? Depois de todas as suas promessas?” A voz dela subiu de tom, carregada de mágoa. “Você me prometeu o mundo, João! E agora, assim, de repente, você simplesmente… desiste?”


João sentiu uma pontada de culpa, mas a ambição era mais forte. “Não é tão simples, Maria. Eu preciso de mais. Preciso de outras coisas que aqui não consigo.”


As lágrimas brotaram dos olhos verdes de Maria, escorrendo por suas bochechas rosadas. “Então vá! Vá atrás do seu ‘mais’! Mas saiba, João, você nunca irá encontrar alguém que te ame como eu te amei!” O som da voz dela partia o coração, um lamento que parecia rasgar a madrugada que se anunciava.


Ele não tinha mais o que dizer. Virou as costas e começou a descer a ladeira, deixando Maria em prantos, os soluços ecoando na quietude da noite. A cada passo, o arrependimento o picava, mas a decisão estava tomada.


A lua minguante mal iluminava o caminho enquanto João se afastava da casa de Maria. Já passava das duas da manhã, e o caminho de volta para casa era longo. Sem automóvel nem mesmo moto ou uma simples bicicleta, a única opção de atalho era o cemitério da cidade.


O cemitério… Um arrepio percorreu sua espinha. Desde suas primeiras memórias infantis, as inúmeras histórias de fantasmas e de almas penadas assombravam aquele lugar. Ele acelerou o passo, o coração batendo forte no peito. A cerca de arame farpado parecia convidá-lo para o desconhecido.


A medida que se embrenhava entre as lápides sombrias, cada ruído se tornava um pesadelo. O vento uivava entre os ciprestes, e João jurou ouvir sussurros, vozes femininas chamando seu nome. “João…”, parecia Maria a lamentar, sua voz vinda do além.


De repente, um som metálico arranhou o silêncio da noite. “Creeeec!” Era o som do ranger de um portão enferrujado, e mesmo sabendo que não havia portões abertos ali, João parou, o suor frio escorrendo por sua testa. Seus olhos se arregalaram, tentando enxergar na penumbra. Mas o que era real era o “nada”.


Um farfalhar nas folhas secas chamou sua atenção. “Quem está aí?”, ele sussurrou, a voz quase inaudível. Um vulto passou rápido por entre duas sepulturas. João sentiu o sangue gelar nas veias. Um animal? Talvez um gato… ou um cachorro vira-lata. Todavia o medo sussurrava outra coisa: O som real ou não parecia de uma alma penada.


Então, um guincho agudo e arrastado irrompeu do meio dos túmulos, seguido por um rosnado grave. “Aaaaaarrgh!” O som era inumano, arrepiante. João não pensou duas vezes. Correu. Correu como nunca havia corrido na vida, tropeçando nas raízes das árvores, esbarrando em cruzes e estátuas. Cada sombra que via parecia se esticar, e movimentando com rapidez, virando-se para agarrá-lo.


O coração de João batia tão forte que ele sentia o sangue pulsando em seus ouvidos. Os fantasmas que ele imaginava pareciam persegui-lo, impulsionados pela culpa de Maria, pelos seus prantos, pelo remorso que agora o alcançava.


Só parou quando viu as luzes distantes da sua rua, o alívio invadindo-o como uma onda quente. Ofegante, ele olhou para trás. O cemitério estava imerso na escuridão, silencioso novamente, como o acordar de um sonho foi como se nada tivesse acontecido.


Mas algo havia acontecido. João sabia que a imagem daquelas lápides, dos sussurros e dos sons inumanos, ficaria gravada em sua memória. E talvez, mais do que os sustos daquela noite, o que o assombraria para sempre seriam os olhos chorosos de Maria, a quem ele havia abandonado sob a fria luz da madrugada. 

Nosso personagem deste conto baseado em uma história real ocorrido no interior do Paraná, descobriu naquela madrugada que aquele atalho pelo cemitério teve consequências, não o livrou apenas de um caminho mais longo; mas o deixou face a face com seus próprios medos e a solidão e remorso que agora começava a sentir.



#FIM#


Alex Sandro Alves


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