O Último Acordo

Aqui está um conto original que explora a ideia de manter-se fiel aos próprios valores em um mundo injusto — perfeito para o Blog O Escritor Dislexo:


🌒 O Último Acordo
Por Alex Sandro Alves

Numa cidade de fictícia de um país fictício transliterado para o português chamado de  Pedra Branca, onde os prédios se erguiam como promessas não cumpridas e os becos guardavam segredos que ninguém ousava confessar, vivia um homem chamado Santino. Ele não era herói, nem santo. Era apenas um relojoeiro — desses que consertam o tempo dos outros enquanto o próprio escorria pelas frestas da sua vida.

Ramiro acreditava em coisas que já não estavam na moda: honestidade, respeito, palavra dada, ética e moral e outras qualidades consideradas idiotices nos tempos atuais. Enquanto o mundo ao redor se vendia por migalhas de poder, ele mantinha sua loja aberta, mesmo quando os clientes sumiam e os impostos cresciam como erva daninha.

Certa noite, um homem de terno escuro entrou em sua loja. Tinha olhos frios e um sorriso artificial e ensaiado que não tocava a alma de quem o observava.

— Preciso que você altere o mecanismo deste relógio — disse, colocando sobre o balcão um modelo raro, cravejado de ouro e pedras preciosas. — Quero que ele atrase cinco minutos, todos os dias. Discretamente.

Elias examinou o objeto. Era um relógio de pulso, mas não qualquer um. Era o tipo usado por políticos, banqueiros, homens que comandam o destino de outros com um simples gesto.

— Posso consertá-lo, mas não posso corrompê-lo — respondeu Elias, devolvendo o relógio.

— Você não entendeu. É só um ajuste. Nada ilegal. E você será bem recompensado.

Elias olhou para o homem, depois para o relógio. Cinco minutos. O suficiente para atrasar uma reunião, manipular uma votação, mudar o rumo de uma decisão, decidir que deve viver ou morrer...

— O mundo já está atrasado demais — disse Elias. — E eu não quero ser o relojoeiro da mentira.

O homem saiu sem dizer mais nada. Dias depois, a loja de Ramires foi vandalizada, totalmente destruída. Sem clientes, sem dinheiro, ele fechou as portas. Mas não se curvou.

Hoje, Ramires vive em uma vila pequena, longe dos arranha-céus e das promessas ocas. Ainda conserta relógios. Ainda acredita que, mesmo que o mundo não seja justo, a integridade é o único tempo que vale a pena manter.

FIM 

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