🧭 O Último Réu Primário
No universo paralelo de Auriverde, um país tropical de alma vibrante e geografia idêntica ao Brasil, a população não se contentava com memes e ironias diante da injustiça. Ali, cada cidadão era um paladino da ética — e também, inevitavelmente, um ex-presidiário.
A cultura auriverdense era simples: viu corrupção? Denunciou. Viu abuso? Reagiu. Viu político mentindo? Invadiu o gabinete com provas e exigiu renúncia. A justiça era levada tão a sério que até quem atravessava fora da faixa podia acabar fichado. Resultado? 99,99999% da população já havia sido presa ao menos uma vez. O termo “réu primário” virou relíquia, quase mitológico.
Mas havia um homem. Um único homem.
Elton Pace, diplomata por vocação, ético por obsessão, era o último cidadão com ficha limpa. Ele falava com precisão cirúrgica, evitava confrontos, e acreditava que o diálogo podia curar até as feridas mais profundas da política. Era respeitado, reverenciado, e até estudado por sociólogos como “o último vestígio da paciência institucional”.
Por décadas, Elton assistiu à ascensão e queda dos dois partidos que dominavam Auriverde: o Republicano Democrata, que prometia liberdade com disciplina, e o Neo Socialista, que jurava igualdade com ordem. Mas quando ambos se uniram — num pacto sombrio chamado Aliança do Progresso Invertido — para aprovar leis que legalizavam o nepotismo, blindavam corruptos e criminalizavam o protesto, algo dentro de Elton se rompeu.
Naquela noite, ele não mediu palavras. Subiu ao púlpito da Assembleia Nacional e, com voz firme, declarou:
> “Se a lei serve apenas aos poderosos, então a prisão é um privilégio dos justos.”
A multidão aplaudiu. Os parlamentares tremeram. E Elton Pace, aos 63 anos, foi preso por “incitação à desordem institucional”.
Sua certidão criminal foi manchada. Mas naquele momento, ele sorriu. Porque enfim, estava entre os seus.
E assim, Auriverde perdeu seu último réu primário — e ganhou mais um herói.
FIM
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