🧠As Aventuras de Hector, o Dislexo
Hector tinha trinta anos e um currÃculo que faria qualquer recrutador salivar: duas faculdades, quatro pós-graduações e um quarto lugar num concurso estadual que, segundo boatos, teve mais candidatos do que a fila do SUS em dia de vacinação. Mas, apesar de sua mente afiada como bisturi, Hector carregava um fardo invisÃvel — a dislexia verbal.
Não era a dislexia clássica dos livros trocados ou letras embaralhadas. Era uma espécie rara, quase poética, em que as palavras se rebelavam no momento exato em que tentavam escapar pela boca. Na mente, tudo era claro, lógico, brilhante. Mas no mundo exterior, Hector parecia um idiota encantador — o tipo que começa uma frase com “Eu acho que... não, pera... é como se... tipo... sabe?” e termina com um olhar desesperado, como quem pede socorro sem saber nadar.
👨👩👧 Na famÃlia, era o “esquisito”. A mãe dizia que ele falava como se tivesse engolido um rádio quebrado. O pai, mais direto, achava que ele precisava “tomar vergonha e falar direito”. Já os primos, esses o evitavam como se ele fosse um vÃrus verbal.
👔 No trabalho, Hector era o gênio silencioso. Seus relatórios eram impecáveis, suas análises brilhantes, mas bastava uma reunião para tudo desmoronar. Quando tentava explicar uma ideia, tropeçava nas palavras como quem tenta correr em areia fofa. Os colegas cochichavam: “Ele é inteligente, mas tem alguma coisa errada...”
🎓 Na academia, era respeitado por seus artigos, mas ignorado nos debates. Certa vez, numa palestra, tentou explicar uma teoria complexa sobre neuroplasticidade e acabou dizendo algo como “o cérebro é tipo... uma gelatina que aprende... meio que... sabe?” O silêncio que se seguiu foi mais cruel que qualquer crÃtica.
Mas Hector não desistia. Sabia que sua mente era um universo em expansão, mesmo que sua boca fosse um labirinto sem saÃda. E foi numa tarde qualquer, enquanto tomava café num boteco e rabiscava ideias num guardanapo, que conheceu Lúcia — uma artista que pintava quadros abstratos e falava pouco, mas ouvia muito.
Ela não ria das pausas, não corrigia os tropeços. Apenas olhava, esperava, e dizia: “Eu entendi.” Pela primeira vez, Hector sentiu que não precisava vencer a guerra das palavras. Bastava encontrar quem soubesse ler entre os silêncios.
🛤️ A aventura de Hector não era sobre conquistar o mundo com discursos perfeitos. Era sobre sobreviver num mundo que confunde eloquência com inteligência. E, aos poucos, ele descobriu que há mais sabedoria em quem escuta do que em quem fala bonito.
FIM
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