🧠📚 Randolfo e o Mistério da Palavra Perdida
Em Cruz das Almas do Sul — cidade onde até os cachorros pareciam ter opinião política — vivia Randolfo, um sujeito de aparência comum, mas de mente extraordinária. Usava óculos de aro grosso, barba rala e uma boina que parecia ter sido herdada de um poeta francês que nunca existiu. Randolfo era, como dizia o padre Honório, “um homem de ideias vastas e vocabulário ainda mais vasto — só que embaralhado como sopa de letrinhas jogada no ventilador”.
Randolfo lia tudo. De Kant a gibi do Zé Carioca. Mas havia um problema: ele era disléxico e prolixo. O que significava que, ao tentar explicar a teoria da relatividade, ele começava falando de Einstein e terminava discutindo a textura das meias que usava no dia da descoberta.
— Veja bem, dona Maricota, o tempo é relativo, como o feijão com arroz que, dependendo da panela, pode ser absoluto ou metafísico, entende?
— Não.
Ninguém entendia Randolfo. Nem mesmo o papagaio do armazém, que repetia suas frases com um sotaque de desespero.
Certa vez, Randolfo foi convidado para dar uma palestra na escola local sobre “A Importância da Linguagem na Construção da Realidade”. O título já causou três desmaios e uma crise de rinite no diretor. Mas ele foi.
Chegou pontualmente ao local do evento vestido de terno cor clássica e gravata vermelha, sua barba que era literalmente sua marca registrada e como ele mesmo dizia " a barba é a maquiagem do homem" e por complemento de vaidade deixou o óculos em casa, assim como sua boina e subiu ao palco com um entusiasmo digno de quem vai anunciar a cura da calvície. E começou:
— Prezados ouvintes, ou melhor, ouvintes prezados, ou talvez ouvintes em estado de prezamento, se é que me entendem — pois a linguagem, como diria Wittgenstein, é uma escada que se desmonta depois que subimos, mas que também pode ser uma gangorra se vista de lado...
Duas horas depois, ele ainda estava explicando a diferença entre “palavra” e “palavração”, um termo que ele mesmo inventou no meio da fala.
— A palavração é quando a palavra se estica, se contorce, se transforma num ser quase mítico, como o verbo “entropiar”, que não existe, mas deveria!
A plateia, composta por alunos, professores e um cachorro que entrou por engano, estava em estado de catatonia linguística.
No fim, Randolfo foi aplaudido. Não porque entenderam, mas porque acharam que ele finalmente tinha terminado.
Mas Randolfo não se importava. Ele vivia num mundo onde as palavras dançavam, tropeçavam e se reinventavam. E mesmo que 99% das pessoas não o compreendessem, ele continuava falando — porque, para ele, o importante não era ser entendido, mas ser ouvido.
E assim, em Cruz das Almas do Sul, Randolfo virou lenda. Dizem que até hoje, se você escutar bem, dá pra ouvir ecos de suas palestras no vento — geralmente misturados com receitas de bolo e citações de Platão.
Autor Alex Sandro Alves para o Blog O Escritor Dislexo
Comentários
Postar um comentário