O dia em que as boas utopias viraram realidade (Um conto em estilo à la Veríssimo)

Mesmo sendo Dislexo, das poucas oportunidades que tive de ler bons livros, na infância até o término da minha primeira graduação, um dos autores brasileiros que mais gostei entre tantos, foram as obras de  Luís Fernando Veríssimo, escritor do Rio Grande do Sul, filho de Érico Veríssimo.

Este conto é de certa forma, uma homenagem  e representação ao meu jeito de escrever como escrevo com nuances do estilo que sempre admirei... Boa leitura!


🌤️ O dia em que as boas utopias viraram realidade  
(Um conto em estilo à la Veríssimo)

Naquela terça-feira sem pressa, o mundo acordou esquisitamente funcional. O despertador tocou na hora certa, o café saiu forte sem entornar e o Wi-Fi... pasmem... não caiu nenhuma vez. Mas ninguém achou estranho. Pelo contrário: o estranho era como tudo parecia, enfim, do jeito que sempre deveria ter sido.

As boas utopias, aquelas que costumavam habitar discursos de formatura e cartazes de ONG, resolveram fazer hora extra no mundo real.  

🚲 As bicicletas ganharam preferência nas ruas. Motoristas sorriam e diziam “por favor, pode passar” com tanta sinceridade que pedestres pararam só para ver se era pegadinha.  

🍲 Nos restaurantes, o garçom explicava o cardápio com uma empolgação digna de Óscar e terminava com um: "Mas se não gostar, a gente troca, sem problema!"—como se o mundo fosse um lugar justo.  

📚 Crianças debatiam política nas escolas com argumentos melhores que os do Congresso. E, mais surpreendente, escutavam umas às outras.

📞 As pessoas ligavam umas pras outras só pra conversar. Sem pedir nada. E desligavam com um “te cuida” que deixava um quentinho no peito.

O senhor Ernesto, aposentado e portador de um ceticismo crônico, desconfiou logo no primeiro bom-dia vindo do cobrador do ônibus. “Tá querendo me vender consórcio?” pensou. Mas não. Era só gentileza mesmo.

No fim do dia, enquanto o sol se despedia com aquele tom alaranjado de comercial de margarina, as pessoas perceberam que o mundo funcionava melhor quando ninguém tentava tirar vantagem de ninguém.

E o mais curioso: ninguém soube explicar por que tudo tinha mudado. Talvez alguém tenha apertado um botão secreto na ONU, ou foi só uma conjunção muito afortunada entre Júpiter, Mercúrio retrógrado e o bom senso.

Mas, naquela terça-feira utópica, todo mundo dormiu com a sensação de que, se quisesse, o mundo podia continuar assim amanhã. E no outro amanhã. E depois também.

— Só depende da gente, disse a Dona Iolanda, enquanto regava suas flores e esperanças.

E pela primeira vez em muito tempo... ninguém riu disso.

FIM

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