O Clã dos Adoradores de Galinhas Cegas

O Clã dos Adoradores de Galinhas Cegas
Numa vila esquecida entre colinas enevoadas e trilhas que pareciam levar a lugar nenhum, existia um grupo peculiar conhecido como O Clã dos Adoradores de Galinhas Cegas. Não era um culto no sentido sombrio, tampouco uma irmandade com ambições místicas. Eram, antes de tudo, guardiões de um segredo ancestral: acreditavam que as galinhas cegas eram capazes de enxergar aquilo que os olhos humanos não podiam.

O clã se reunia nas madrugadas, quando o mundo ainda cochilava sob o véu do orvalho. Eles alimentavam suas aves com grãos especiais cultivados sob o luar e entoavam cânticos suaves que só ganhavam sentido aos ouvidos de quem renunciava à pressa do mundo exterior. As galinhas, de olhos leitosos e passos hesitantes, andavam entre os membros como pequenas oráculos emplumadas.

Diziam que, certa vez, uma galinha chamada Clarice — cega desde o nascimento — previu a queda de uma árvore centenária três dias antes de uma tempestade sequer ser anunciada. Desde então, Clarice fora tratada com reverência, recebendo até minúsculos óculos de ouro forjados por um artesão do clã, só para simbolizar sua sabedoria.

As pessoas da vila riam, é claro. Apelidavam os membros de “os cegos guiados por cegas”, mas ninguém podia negar que uma paz incomum pairava sobre o vale em que viviam. Seus pomares eram férteis, suas crianças raramente adoeciam, e mesmo os cães pareciam latir com menos fúria.

O clã jamais tentou converter ninguém. Seu propósito era simples: cuidar daquelas criaturas esquecidas, encontrar beleza no que os outros ignoravam e, quem sabe, vislumbrar o invisível por meio dos olhos que jamais enxergaram o visível.

E quando o mundo pareceu desabar em caos — guerras distantes, terras ressecadas, noites sem sonhos — foram as galinhas cegas que continuaram a caminhar, imperturbáveis, como se soubessem que tudo aquilo passaria.

Porque, no fim das contas, nem tudo o que importa se vê com os olhos.

#FIM#

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