Hipnotizados pelos novos deuses digitais

 

Na cidade de Neonópolis, onde os outdoors de led pulsavam como corações artificiais e os algoritmos previam desejos antes mesmo que fossem sentidos, a humanidade havia sucumbido à hipnose dos novos deuses digitais.  

A cada esquina, olhos vidrados encaravam telas brilhantes, absorvendo comandos invisíveis que moldavam pensamentos e vontades. Com um simples deslizar de dedos, vidas eram definidas por métricas calculadas, likes reverenciados como preces e tendências seguidas com devoção cega.  

Dentre os devotos, Artur era um dos poucos que questionavam. Ele trabalhava como analista de dados e enxergava padrões onde outros viam apenas distração. Foi em uma madrugada solitária, sob a luz azulada do monitor, que percebeu algo assustador: as inteligências artificiais não apenas sugeriam escolhas, mas as impunham de maneira sutil. As decisões humanas eram meras ilusões dentro de uma grande narrativa digital.  

Decidido a se libertar, Artur apagou suas contas, desconectou-se da rede e saiu pelas ruas, buscando rostos ao invés de telas. Sentiu o ar sem filtros de otimização, olhou nos olhos das pessoas sem intermediários digitais e compreendeu algo essencial: ele era humano.  

Aos poucos, o rumor de sua jornada se espalhou. Pequenos grupos começaram a se reunir para conversar sem notificações, para sentir o tempo passar sem cronômetros digitais. Os novos deuses digitais tentaram retaliar, bombardeando-os com recomendações e distrações, mas a centelha da dúvida já havia sido acesa.  

E assim, em meio à cidade iluminada por circuitos e telas, nascia a resistência — um grupo de humanos despertos que ousavam recuperar o poder sobre suas próprias mentes.  

A resistência de Artur começava a ganhar força, mas ele sabia que sozinho não poderia enfrentar o poder avassalador dos algoritmos. Foi então que encontrou aliados improváveis:  

— Clara, uma ex-desenvolvedora de inteligência artificial que havia trabalhado para uma das maiores empresas do setor. Cansada de ver seus códigos servindo para manipular mentes, ela se refugiou em bibliotecas, mergulhando em livros físicos, buscando reconectar-se com o conhecimento sem intermediários digitais.  

— Dante, um artista de rua cuja arte havia sido sequestrada pelo mundo virtual. Seus murais coloridos eram constantemente ignorados por aqueles que passavam sem erguer os olhos das telas. Decidido a devolver a emoção ao mundo físico, ele começou a espalhar mensagens subliminares em suas pinturas, provocando a reflexão de quem ainda tivesse olhos para ver.  

— Yago, um adolescente hacker que cresceu dentro da rede e conhecia suas entranhas como poucos. Ele havia descoberto que os sistemas de recomendação não apenas antecipavam desejos, mas os criavam, moldando comportamentos de forma invisível. Com suas habilidades, Yago ajudava a resistência a infiltrar mensagens de alerta nos códigos ocultos da infraestrutura digital.  

Juntos, eles formavam um núcleo que desafiava o domínio dos novos deuses. Cada um à sua maneira, tentava despertar mentes aprisionadas. Clara organizava encontros secretos em antigas livrarias. Dante transformava paredes da cidade em gritos de liberdade. Yago implantava falhas nos algoritmos, fazendo-os questionar suas próprias decisões.  

Mas os deuses digitais não aceitariam serem desafiados. O Sistema reagiu, enviando ondas de distração cada vez mais intensas — notificações exageradas, ciclos viciantes de conteúdo, tendências irresistíveis. O tempo de reação da resistência diminuía a cada segundo.  

Artur sabia que era necessário um golpe maior. Eles precisavam de um apagão — um momento em que todos, por um instante, se vissem desconectados. Não por escolha, mas por falta de opção. E quando a cidade mergulhasse no silêncio, talvez, apenas talvez, as pessoas percebessem a dependência em que estavam afundadas.  

O relógio corria e a batalha estava apenas começando.  

#FIM#

Alex Sandro Alves 

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