Era uma vez, em uma cidade esquecida pelo tempo num mundo parecido como o nosso onde a vida humana poderia ser contada aniversários em séculos em vez de anos, existia um clube secreto onde se reuniam os Homens Que Tinham Medo de Viver e por ironia não conseguiam morrer.
Seu símbolo era um relógio com ponteiros sempre parados em 10 horas e 10 min, e a única regra do clube era nunca falar do futuro... Era um tabu, afinal ele o Cronos estava literalmente paralisado e todos eram reféns da paralisia do tempo e naquele local era como se o Antigo Deus tivesse se aposentado ou tirados longas férias.
Todos os dias eram iguais, e todos ali tinham literalmente enjoado de tudo que se podia fazer fora daquele ambiente, onde as pessoas viviam séculos devido aos avanços tecnológicos e reengenharia genética, mas eventualmente morriam por fazerem coisas perigosas.
Curiosamente, naquele mundo, viver muito anos gerava um tédio pela incerteza de quando viria a morte natural. Todos a certa altura de suas existências, para sentir algum novo tipo de prazer, viviam loucamente, e a cada dia compulsivamente buscavam um novo motivo para a vida ter sentido, e eram atraidos para atividades radicais e perigosas para sentirem novamente altas doses de adrenalina percorrerem suas veias e doses maiores ainda de dopamina para inundarem suas mentes.
Então a vida fora do clube era longa, mas as pessoas depois de algumas centenas de anos de existência, escolhiam simplesmente deixar de viver. A chamada auto eutanásia era liberada em todo o planeta, uma escolha pessoal sem julgamentos éticos e morais e nem dogmáticas, pois era um mundo, diferente do nosso, sem fé, sem religiões.
Mas os membros daquele estranho grupo escolheu uma vida sem perigos e sem novidades, afinal viviam num estranho paradoxo: tinham medo de viver fora do prédio do clube e eventualmente morrer, mas tinham também medo de viver de verdade com todos os prazeres e riscos que a vida poderia oferecer.
Eles viviam "seguros" dentro daquela sala, dentro daquele clube para todos, o tempo tinha de maneira sobrenatual parado, e aos poucos virou uma prisão auto imposta que todos não queriam mais sair. Não a toa que o integrantes eram conhecidos como o Clube dos Homens que Tinham Medo de Viver.
Ali dentro daquelas paredes viviam separados da sociedade, pois ao contrário do resto do mundo, naquela sala ninguém morria e nem passavam pelas dores que a vida humana trazia como o simples fato de viver muito e aos poucos perder a graça de todos os prazeres experimentados e o prazer final ser a morte auto imposta.
Entre os membros desse curioso clube, havia três curiosas figuras centrais que se destacavam:
- Baltazar, um ex-filósofo que abandonou sua carreira ao perceber que cada nova ideia o aproximava do desconhecido.
- Ezequiel, um artesão que esculpia estátuas perfeitas, mas nunca terminava nenhuma obra por medo de vê-la envelhecer.
- Jonas, um jovem que, apesar da pouca idade, já temia o desgaste do tempo e evitava qualquer experiência que pudesse marcá-lo de forma irreversível.
Milênios se passaram fora daquela sala. Gerações nasceram e se foram, novos mundos foram gerados e extintos. Um ciclo sem fim ocorria fora do clube. A única certeza era que lá fora, Cronos o Deus antigo do tempo, trabalhava sem tirar um milésimo de segundo sequer de folga...
Certa noite, durante uma de suas reuniões à luz de velas, surgiu derepente um visitante inesperado: um velho chamado Salomão, com os olhos carregados de anos e sabedoria. Ele ouviu seus receios em silêncio e então disse:
— “Vocês fogem do tempo como se ele fosse um predador, mas esquecem que é apenas um rio, e todos nós somos folhas que deslizam sobre suas águas. Evitar viver não impede que o tempo siga seu curso.”
Baltazar respondeu com ceticismo:
— “Mas e o medo de perder tudo que conhecemos? De sermos consumidos pelo esquecimento?”
Salomão sorriu:
— “O esquecimento não é o fim, é espaço para o novo. O rio leva, mas também traz. Vocês se preocupam com o que perderão, mas não percebem o que jamais tiveram por nunca se arriscar.”
Jonas, inquieto, perguntou:
— “E o sofrimento? Os erros? O peso dos anos?”
Salomão se aproximou e tocou o ombro do jovem:
— “Cada cicatriz na minha pele é uma história, e cada dor que senti moldou quem sou. Fugir da vida por medo da dor é como rejeitar a luz por temer a sombra.”
A conversa se prolongou até o amanhecer, e quando Salomão partiu, o relógio sem ponteiros do clube, como que por encanto, começou a marcar o tempo.
Naquela noite, os Homens Que Tinham Medo de Viver começaram a mudar. Ezequiel terminou sua primeira escultura. Baltazar retomou sua busca pelo conhecimento. Jonas deu seu primeiro mergulho no rio.
Porque, afinal, não há maior risco do que nunca se arriscar e viver é a mais grandiosa das aventuras, invejadas até pelos eternos, que não poder viver como os homens e nem podem deixar de existir.
#FIM#
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